Atualmente, quando se discutem reciclagem e soluções que promovem a economia circular e protegem o meio ambiente, é essencial evitar termos como “difícil”.
Por outro lado, ao se deparar com resultados insatisfatórios, é comum identificar as dificuldades e reconhecer que o processo pode não ser fácil, a fim de encontrar soluções.
Assim, a reciclagem vive esse paradoxo. Deve-se, então, abordar a verdade?
Revelar as baixas taxas de reaproveitamento de materiais ou, ao contrário, incentivar a ideia de que se está avançando?
Nesse sentido, embora dados precisos sejam fundamentais para debater cenários e buscar melhorias, eles não devem desmerecer o processo.
Sendo assim, não há como negar que a reciclagem é um elo fundamental da economia circular.
Através dela, é possível recuperar matéria-prima, gerar novos insumos, reduzir a extração de recursos virgens e minimizar impactos ambientais.
Acima de tudo, contribui para a mitigação das emissões de gases de efeito estufa.
Primordialmente, a reciclagem deve, sim, ser incentivada, valorizada e ser considerada uma peça-chave na gestão sustentável de resíduos.
No entanto, existem vários desafios para aumentar a porcentagem de materiais reciclados no Brasil e no mundo.
Ainda assim, a reciclagem continua sendo essencial para a economia circular. Embora não figure como prioridade na hierarquia de gestão de resíduos, é imprescindível reconhecer seus benefícios.
A priori, é necessário entender os gargalos em determinados segmentos ou materiais, pois sem a devida contextualização pode-se ter um falso diagnóstico, dificultando uma discussão mais séria entre o poder público e a sociedade.
Por isso, é necessário examinar os dados atuais, que, embora não sejam tão motivadores, ajudam a entender melhor por que a reciclagem ainda não alcançou o sucesso desejado, permitindo, assim, a busca por soluções adequadas.
No Brasil, embora não haja um consenso oficial entre as diferentes fontes de pesquisa, de acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), ISWA, Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), estima-se que apenas 4% a 9% dos materiais descartados sejam reciclados.
Infelizmente, a América Latina e a África são as regiões que menos reciclam no mundo, com taxas em torno de 4%, enquanto a média global é de 13,5%.
Desse modo, a maior parte dos resíduos continua sendo destinada a locais inadequados.
A saber, curiosamente, países com níveis de desenvolvimento e renda semelhantes aos do Brasil, como Chile, Argentina, África do Sul e Turquia, apresentam taxas de reciclagem na faixa de 16%.
Então, onde está a falha? Em comparação com países desenvolvidos, a distância é ainda maior.
Na Alemanha, por exemplo, a reciclagem atinge quase 70%, consolidando-se como o maior reciclador da União Europeia, com uma taxa estimada de 69,1% em 2022.
Na União Europeia, oito países reciclam mais de 50% de seus resíduos municipais, enquanto outros, como Chipre, Romênia e Malta, simultaneamente, registram taxas abaixo de 20%.
O Brasil possui grande potencial para aumentar seus índices de reciclagem, todavia, enfrenta diversos fatores que contribuem para a estagnação. Entre eles:
- Falta de infraestrutura e coleta seletiva adequada: Menos de 20% da população tem acesso a um sistema eficaz, sobretudo, devido à carência de planejamento e infraestrutura nas prefeituras;
- Falta de conscientização: Apesar do aumento do debate sobre resíduos, poucas cidades tratam o tema com seriedade. Sendo assim, a falta de investimento em educação impede muitos cidadãos de separarem seus resíduos corretamente;
- Escassez de políticas públicas e privadas: A saber, a regulamentação, fiscalização e parcerias para o tratamento de resíduos sólidos são limitadas;
- Desinteresse político e má formulação de contratos e impostos: A má formulação de contratos e a alta tributação sobre materiais reciclados desincentivam a coleta seletiva, ao mesmo tempo, onerando a reciclagem;
- Custo elevado da coleta seletiva: A coleta seletiva é pelo menos quatro vezes mais cara e, de fato, depende de infraestrutura adequada e participação da população;
- Dificuldade em valorizar o setor informal: A maioria dos materiais reciclados no Brasil é coletada por catadores, contudo, eles enfrentam remuneração baixa e priorizam materiais de maior valor;
- Desafios com embalagens e design: Muitos materiais são mal projetados, dessa forma, dificultando sua reciclagem. A indústria de embalagens ainda não se ajustou totalmente à cadeia de reciclagem.
Dentro desse cenário, os desafios enfrentados pela reciclagem no Brasil exigem atenção e ações coordenadas para promover melhorias.
Nesse contexto, embora existam obstáculos, também há soluções viáveis que podem tornar a reciclagem mais competitiva em relação às matérias-primas virgens.
Além disso, existem mecanismos que valorizem as indústrias que utilizam materiais reciclados.
A evolução tecnológica pode otimizar os processos de coleta e triagem, enquanto a valorização da economia circular abre oportunidades para novos negócios e inovações.
É fundamental reconhecer o trabalho daqueles que atuam na linha de frente da reciclagem, pois cada avanço contribui para um sistema mais eficiente e sustentável.
Sendo assim, a transição para uma economia circular requer a colaboração de governos, empresas e sociedade.
Portanto, com comprometimento e esforço conjunto, é possível superar os desafios e construir um futuro mais consciente e ambientalmente responsável.
Fonte: Isabela Bonatto
Isabela Bonatto é embaixadora do Movimento Circular e possui doutorado e mestrado em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina, além de MBA em Gestão Ambiental.
Além disso, é consultora socioambiental com foco em gestão de resíduos, Economia Circular e sustentabilidade corporativa, e tem experiência em diversos setores, incluindo ONGs e instituições internacionais.
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