COP30: Incoerência climática
COP30: Entre o simbolismo da Amazônia, a fragilidade dos acordos globais e um mundo em guerra.
“A incoerência é a pior forma de greenwashing,” Por Denise Curi, PhD.
A COP30, realizada em Belém, no coração da Amazônia, carregava uma carga simbólica gigantesca. Não era apenas mais uma conferência do clima. Era a COP da floresta, dos povos originários, do Sul Global. A COP que marcaria os dez anos do Acordo de Paris.
O que vimos, porém, foi um retrato fiel das contradições que definem a política climática internacional: muito discurso, muita negociação… e pouca coragem coletiva.
E isso não é uma opinião isolada — é a leitura predominante da imprensa internacional.
Mas há um fator decisivo que muda completamente a análise desta COP — e que foi pouco explorado: ela aconteceu em um mundo em guerra.
O mundo chegou a um acordo — mas evitou encarar o elefante na sala
O ponto mais repetido por veículos como Reuters, The Guardian, Politico e Washington Post foi claro:
O acordo final da COP30 não menciona de forma direta e inequívoca a transição para fora dos combustíveis fósseis.
Em outras palavras: mesmo depois de décadas de alertas científicos, o texto oficial evitou nomear petróleo, gás e carvão como o que são — o principal motor da crise climática.
Essa omissão não é técnica. Ela é política.
A União Europeia chegou a ameaçar bloquear o acordo por considerá-lo fraco demais — mas acabou aceitando uma versão diluída para evitar um colapso completo das negociações.
A pergunta inevitável é: um acordo ruim é melhor que nenhum acordo… mas para quem?
A COP30 em meio a guerras: contexto ignorado, impacto real
A COP30 aconteceu em um cenário global de extrema instabilidade:
- Guerra entre Rússia e Ucrânia
- Conflito devastador em Gaza e Israel
- Tensão permanente no Oriente Médio
- Aumento global de gastos militares
- Disputa por fontes de energia e minerais críticos
Isso muda tudo.
Enquanto a COP falava em:
- transição energética
- descarbonização
- redução de emissões
Na prática, muitos países estão:
- aumentando a produção de petróleo e gás em nome da “segurança energética”
- desviando recursos climáticos para orçamento militar
- intensificando mineração em áreas sensíveis
- reativando matrizes fósseis
Ou seja: o mundo está operando em modo sobrevivência — não em modo transição.
Esse contexto ajuda a entender porque:
- não houve avanço real na linguagem sobre abandono dos fósseis
- os acordos foram suavizados
- a ambição foi sacrificada pelo pragmatismo
Além disso, há uma verdade desconfortável:
Guerra também é crise climática.
Conflitos armados emitem toneladas massivas de CO₂, destroem ecossistemas inteiros, contaminam solos e rios, geram deslocamento forçado e ampliam a pobreza extrema — que, como disse Indira Gandhi, é a pior forma de poluição.
E ainda assim, as emissões das guerras raramente entram com transparência nas contas globais do clima.
Essa incoerência também esteve presente na COP30.
Financiamento climático: avanço ou moeda de troca?
O principal ganho anunciado foi a promessa de triplicar o financiamento para adaptação até 2035, especialmente para países mais vulneráveis.
À primeira vista, isso é positivo. Mas há um detalhe importante: esse financiamento foi usado como instrumento político de barganha.
Países desenvolvidos condicionaram o aumento de recursos a um maior compromisso dos países em desenvolvimento com a transição energética.
O diálogo foi, em essência, este:
- Países ricos: “Querem financiamento? Mostrem ambição climática.”
- Países em desenvolvimento: “Querem ambição? Financiem a transição primeiro.”
Um impasse antigo, que voltou com força total em Belém.
O risco? Transformar a emergência climática em mais um jogo de poder geopolítico.
Belém: símbolo mundial — e vitrine de contradições
A escolha de Belém foi, ao mesmo tempo, poderosa e arriscada.
Colocou a Amazônia no centro do mundo! Exibiu, em escala global, as fragilidades históricas do Brasil
A imprensa internacional destacou:
- infraestrutura insuficiente
- preços abusivos de hospedagem
- problemas logísticos
- obras que impactaram áreas verdes
- dificuldade de acesso para países mais pobres
Além disso, a grande contradição brasileira não passou despercebida:
Como sediar a COP da Amazônia enquanto ainda se discute exploração de petróleo em áreas sensíveis?
Esse conflito entre discurso e prática foi amplamente apontado.
Povos indígenas: presença não é poder
Os povos originários estiveram visíveis, homenageados, fotografados.
Mas muitos relataram a mesma realidade de sempre: eles continuam fora do centro do poder decisório.
Visibilidade não é influência. Representatividade simbólica não é governança real.
E isso fragiliza qualquer narrativa de “transição justa”.
A COP30 foi um fracasso?
Não. Mas também não foi a virada que o planeta precisa.
Ela foi:
- Um marco simbólico importante
- Um palco global para a Amazônia
- Um alerta
- Uma vitrine de conflitos reais
Mas também foi:
- Um acordo fraco
- Uma oportunidade diluída
- Uma conferência ainda refém dos fósseis
- Um espelho das contradições humanas
Se a COP fosse uma frase, seria:
O mundo sabe exatamente o que tem que fazer — mas ainda não está disposto a pagar o preço político disso.
E agora? O que realmente importa depois da COP30
A pergunta mais importante não é o que foi assinado. É o que será feito.
A partir de agora, os verdadeiros protagonistas da ação climática serão:
- governos locais
- empresas
- investidores
- comunidades
- profissionais de impacto
- consultores e educadores da transição
A mudança já não está nas plenárias da ONU. Ela está nos territórios, nas cadeias de valor e nas decisões diárias.
Se Indira Gandhi dizia, em 1972, que “a pobreza é a pior forma de poluição”, hoje podemos acrescentar:
A incoerência é a pior forma de greenwashing.
A COP30 deixou um recado duro, mas claro:
Não falta ciência. Não falta tecnologia. Não falta dinheiro.
Falta coragem.
E ela não será decretada numa conferência. Ela será construída, decisão por decisão.
Sobre Denise Curi, PhD.

Doutora em Engenharia de Produção, com foco em Orientação para o Mercado em Empresas de Tecnologia pela Escola Politécnica da USP, São Paulo, Brasil, e equivalência em Gestão Industrial pela Universidade de Aveiro (janeiro de 2019). Mestre e Bacharel em Administração de Empresas na área de Cultura Organizacional e Gestão da Qualidade, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Desde 2018, vive na cidade do Porto, onde é investigadora na Universidade de Aveiro.
Atualmente, dedica-se à Denpec Desenvolvimento Profissional e Consultoria desde 2014, onde auxilia organizações a integrar sustentabilidade e inovação em suas estratégias de negócios.
Sua carreira executiva inclui cargos no Grupo Rhodia SA (atual Solvay), HTMG Marketing Internacional, Sharp e Banco Real, nas áreas de Planejamento Estratégico, Marketing, Sustentabilidade e Controladoria. Teve um papel fundamental na implementação da reciclagem de PET em larga escala no Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, trabalhando em parceria com empresas como Coca-Cola Company, Pepsi Company, Ambev, Plastivida, Cempre e Cadibisa.
Na área acadêmica, ministrou aulas na FIA-USP (Fundação Instituto de Administração), Centro Paula Souza e Universidade Mackenzie, onde coordenou a Agência Mackenzie de Sustentabilidade e o Curso de Pós-Graduação em Governança Corporativa, Responsabilidade Social e Sustentabilidade. É autora do livro “Gestão Ambiental” (Editora Pearson), além de diversos artigos e capítulos de livros sobre sustentabilidade e inovação sustentável no Brasil e no exterior. Foi vencedora dos prêmios de Melhor artigo científico na área de indicadores de sustentabilidade (Engema) e Melhor orientação de trabalho de conclusão de curso (ABIT), e atuou como jurada na Primeira Edição do Prêmio ABIHPEC-Beleza Brasil, na modalidade Cosméticos Sustentáveis.
Conheça Denise Curi no LinkedIn: Denise Curi PhD
Siga Denise Curi no Instagram: @denisepcuri
Leia também: Crise climática: Uma crise de saúde pública
Siga o Portal ESGS no LinkedIn: portal-esgs
Siga o Portal ESGS no Instagram: @portalesgs















