
A sustentabilidade não é importante, as matérias-primas críticas sim. Por Denise Curi, PhD.
Ignorar – ou até mesmo refutar- o avanço da ciência em sustentabilidade é tão sem nexo que me perguntei: o que levaria o presidente da nação mais rica do planeta a fazer isso?
A resposta lembra a fábula da raposa e das uvas: quando não alcança diz que está verde.
A palavra sustentabilidade virou um mantra corporativo: aparece em relatórios, discursos e campanhas publicitárias. Mas, na prática, o que realmente define quem lidera o futuro não é discurso verde. É o controle de matérias-primas críticas.
Sem lítio, cobalto, níquel, grafite e terras raras, não existe:
- carro elétrico;
- turbina eólica;
- equipamentos médicos;
- painel solar;
- transição energética;
- nem futuro sustentável.
Portanto, falar de sustentabilidade sem falar de matérias-primas críticas é incompleto. Esses minerais são o coração das tecnologias do futuro – e hoje estão no centro das maiores tensões geopolíticas. O problema é que explorá-los gera impactos ambientais e sociais!
O jogo real
O dinheiro movimenta o mundo, mas sem energia não há dinheiro. E o mundo está descobrindo com muito sangue, suor e lágrimas que a dependência energética é cruel para os países.
A pandemia mostrou como a falta de insumos pode parar o planeta. Depois a guerra da Ucrânia, evidenciou que a dependência de combustíveis fósseis é um risco estratégico.
A resposta de muitos países, especialmente União Europeia e na China foi clara: buscar a liberdade energética por meio das tecnologias verdes. Acontece que as novas formas de geração de energia dependem, notadamente, de alguns minerais críticos, tais como as terras raras.
E o que são terras raras?
São um grupo de dezessete elementos químicos, presentes em alguns minerais. Esses elementos são essenciais para diversas tecnologias modernas. E… apesar do nome, não são tão raras. Raro é quem domine a sua extração e refino, que são caros e complexos.
E adivinhe quem domina a tecnologia hoje? Yes! A China!
Veja esses três exemplos que ajudam a elucidar a importância das terras raras:
- Neodímio: motores de veículos elétricos, turbinas eólicas, discos rígidos, equipamentos médicos.
- Disprósio (cruciais em ímãs permanentes): resistência ao calor em turbinas, usinas nucleares e sistemas de defesa.
- Praseodímio: telas de smartphones, TVs e monitores de alta resolução; ligas metálicas mais resistentes.
Deu para perceber que esses elementos são essenciais para diversas tecnologias de ponta; transição energética; e, notadamente, segurança nacional. Sem as terras raras não há eletrificação em larga escala. Estima-se que a demanda por terras raras triplique até 2040, tornando-as mais estratégicas que o petróleo em algumas cadeias de valor.
A China já venceu a primeira fase da corrida, agora EUA e EU estão correndo atrás
Pensando apenas em reservas de terras raras, veja o que dizem os números da USGS (United States Geological Survey) de 2024.
- a China surge em primeiro lugar (44.000.000 tons);
- o Brasil aparece em segundo (21.000.000 tons);
- a Índia está em terceiro (6.900.000 tons);
- os EUA garantem a sétima maior reserva (1.900.000 tons).
Nessa lista, também estão, coincidentemente, Groenlândia (1.500.000 tons) e Canadá (830.000 tons).
Em 2023, a produção mundial foi de 350 mil toneladas sendo:
- China: 68%
- EUA: 12%
- Myanmar: 10%
- Austrália: 9%
E mais: a China é responsável por 85-90% do refino mundial!
Ou seja: quem controla essas cadeias controla também o ritmo da transição energética. E hoje, esse país é a China.
O país é líder global absoluto em capacidade instalada de energia renovável: instalou mais de 373 GW, em 2024, e sozinho foi responsável por 39% da produção mundial de energia solar (834 TWh), mais que o dobro dos EUA (303 TWh).
Uvas verdes
Será que Trump aposta nos combustíveis fósseis para ganhar tempo, mantendo a estabilidade energética imediata e apoiando setores tradicionais?
Pode ser.
Mas, ao mesmo tempo, os EUA buscam garantir acesso a reservas estratégicas, como no acordo assinado com a Ucrânia em abril de 2025.
As promessas incertas da Groenlândia e Ucrânia
- A Groenlândia tem potencial gigante localizado em Kvanefjeld, porém, a exploração de terras raras está bloqueada desde 2021, devido a preocupações ambientais e sociais.
- A Ucrânia fechou acordo com os EUA, mas parte das reservas da Ucrânia está em áreas de guerra e os dados geológicos ainda são da União Soviética.
Ou seja, muito potencial, mas pouca garantia no curto prazo.
As empresas não estão preparadas
Muitas falam em ESG, mas não tem plano B para uma crise de suprimentos.
- Indústria automotiva e de energia: enfrenta riscos de escassez de matérias-primas e aumento de custos.
- Setor eletrônico e digital: depende de gálio, germânio, índio e terras raras para semicondutores, satélites e sistemas de defesa.
- Pressões regulatórias: na EU, o Critical Raw Materials Act estabelece metas até 2030:
- ≥ 10% da extração dentro da UE
- ≥ 40% do processamento local
- ≥ 25% por reciclagem
- Limite de 65% de dependência de um único país
Um bloqueio chinês ou um choque de preços poderia paralisar fábricas inteiras de automóveis, eletrônicos e até equipamentos médicos.
Sustentabilidade estratégica
Falar em sustentabilidade não é só plantar árvores ou reduzir plásticos. É garantir cadeias de suprimento seguras para minerais críticos. O paradoxo é claro:
- Fósseis mantêm a segurança imediata, mas atrasam o futuro e são grandes geradores de GEEs (gases do efeito estufa)
- Terras raras viabilizam o futuro, mas trazem custos ambientais e sociais que precisam ser geridos.
Conclusão
No fim, sustentabilidade não é discurso verde.
É estratégia geopolítica e sobrevivência econômica, baseada na segurança de acesso a matérias-primas críticas.
Sem terras raras não há carros elétricos, energia limpa ou digitalização.
Enquanto os EUA ainda equilibram fósseis e minerais estratégicos, a China lidera a corrida tecnológica do futuro. E novos territórios, como a Groenlândia, podem virar o jogo nos próximos anos.
No fundo, é como na fábula da raposa: quem não consegue alcançar as uvas, diz que estão verdes. A diferença é que, desta vez, as uvas são matérias-primas críticas que vão definir quem lidera o futuro.
Então eu coloco outra dúvida: como fazer suco de uva, sem amassá-las?
Como adotar tecnologias verdes, sem impactar o meio ambiente?
Sobre a Dra. Denise Curi, PhD.

Doutora em Engenharia de Produção, com foco em Orientação para o Mercado em Empresas de Tecnologia pela Escola Politécnica da USP, São Paulo, Brasil, e equivalência em Gestão Industrial pela Universidade de Aveiro (janeiro de 2019). Mestre e Bacharel em Administração de Empresas na área de Cultura Organizacional e Gestão da Qualidade, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Desde 2018, vive na cidade do Porto, onde é investigadora na Universidade de Aveiro.
Atualmente, dedica-se à Denpec Desenvolvimento Profissional e Consultoria desde 2014, onde auxilia organizações a integrar sustentabilidade e inovação em suas estratégias de negócios.
Sua carreira executiva inclui cargos no Grupo Rhodia SA (atual Solvay), HTMG Marketing Internacional, Sharp e Banco Real, nas áreas de Planejamento Estratégico, Marketing, Sustentabilidade e Controladoria. Teve um papel fundamental na implementação da reciclagem de PET em larga escala no Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, trabalhando em parceria com empresas como Coca-Cola Company, Pepsi Company, Ambev, Plastivida, Cempre e Cadibisa.
Na área acadêmica, ministrou aulas na FIA-USP (Fundação Instituto de Administração), Centro Paula Souza e Universidade Mackenzie, onde coordenou a Agência Mackenzie de Sustentabilidade e o Curso de Pós-Graduação em Governança Corporativa, Responsabilidade Social e Sustentabilidade. É autora do livro “Gestão Ambiental” (Editora Pearson), além de diversos artigos e capítulos de livros sobre sustentabilidade e inovação sustentável no Brasil e no exterior. Foi vencedora dos prêmios de Melhor artigo científico na área de indicadores de sustentabilidade (Engema) e Melhor orientação de trabalho de conclusão de curso (ABIT), e atuou como jurada na Primeira Edição do Prêmio ABIHPEC-Beleza Brasil, na modalidade Cosméticos Sustentáveis.
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